A Dança do Ventre hoje conquistou todas as partes do mundo, e é executada
por mulheres de todas as idades e etnias. Isso é maravilhoso, entretanto se
quisermos ser fiéis à dança do ventre como tradição da cultura árabe precisamos
tomar muito cuidado com o efeito “telefone sem fio”.
Sou uma apaixonada por esta arte e dedico muitas horas assistindo vídeos
de bailarinas de diversas regiões do mundo e venho percebendo que cada vez mais
esta dança tem se distanciado de sua essência. Cada vez mais a preocupação das
bailarinas é em impressionar o público com sua qualidade técnica, agilidade,
movimentos inusitados e beleza física. Muitas vezes observamos movimentos,
passos e elementos que nunca fizeram parte da cultura árabe.
Sei que a arte não é estática, que a arte evolui, que cada bailarina pode
e deve colocar a sua personalidade em sua dança. Sei que há uma grande diferença
entre uma dança cênica e uma dança “feita em casa”, mas se começarmos a nos
distanciar da essência da dança oriental, daí simplesmente deixa de ser...
E o que é essa essência?
Vou fazer uma analogia: A HISTÓRIA DO FEIJÃO
“Sabemos que o arroz com feijão é o prato que mais representa o povo
brasileiro. Imagine então a seguinte situação:
Você aprende com sua mãe e avó como fazer o feijão. Você aprende que
precisa usar o feijão carioca ou o jalo para fazer este prato típico. Aprende
que é preciso deixa-lo de molho por algum tempo para poder cozinha-lo. E o
principal, aprende que para temperá-lo basta sal e alho, e se quiser pode
adicionar cebola e toucinho. O arroz deve ser o branco, também temperado com sal
e cebola. Mas que todos estes simples ingredientes, feitos e adicionados na
proporção
e ordem certa vão proporcionar um prato de sabor maravilhoso e muito
tradicional do Brasil.
Um chef de cozinha francês tem a oportunidade de experimentar esta
receita, e resolve colocar no cardápio de seu restaurante na França. Mas ele
acha muito simples, e na verdade, ele nem sabe muito bem todos os passos do
processo pois ele só experimentou, mas adorou e quer muito fazer. Então ele
compra um feijão na França que não é o carioquinha ou jalo pois lá não se
encontra este tipo (isto é uma ficção, eu não sei se existe ou não Ok). Daí ele
resolve incrementar o prato, ao invés do arroz branco, ele prepara um arroz
tipo “a grega” e no feijão ele adiciona outros temperos, mostarda, salsinha,
tomilho e pimenta rosa. Ele percebe que se deixar o feijão com caldo, a
apresentação do prato não fica tão bonita, então ele deixa o feijão mais seco,
e para enfeitar a iguaria e dar um toque especial ele coloca como
acompanhamento cogumelos.
O prato faz um baita sucesso, o restaurante fica famoso por ter um prato
brasileiro no cardápio.
Você vai morar na França e fica com saudade de comer feijão, daí as
pessoas te indicam o tal restaurante. Você fica empolgadíssima, vai lá e pede o
prato, e então, a decepção!! Você gostou da comida, o prato era gostoso,
interessante, diferente, mas definitivamente NÃO ERA O FEIJÃO BRASILEIRO!!!”
Como você se sente? Frustrada, enganada, chateada, enfim cada pessoa vai
reagir de uma forma, mas o importante é que você sabe que aquele prato não
representa sua cultura nem suas tradições.
Quero apontar várias coisas neste texto:
1)
Se você não quer fazer da forma tradicional, tudo
bem, só não venda seu produto como se fosse;
2)
Se você quer fazer o tradicional, se você quer
aprender a essência da dança, beba da fonte,
3)
Ser simples não é ser ruim, ser simples não é
fácil, ser simples tem suas qualidades, ser simples não é ser pouco,
4)
Os passos e movimentos tradicionais da dança do
ventre não são muitos, mas saber coloca-los na hora certa, com a dinâmica certa,
com a ginga certa é o mais importante, completamente conectada e entregue a
música, aí está a grande questão. Ao invés de se dedicar um tempão para
aprender o “passo da moda”, dedique-se mais em pesquisar sobre a cultura e a
música oriental, mas sempre de fontes fidedignas, prefira sempre os originais,
mas lembre-se, nem todo brasileiro sabe fazer feijão.
Muita gente diz que minha dança é simples, e honestamente não me ofendo
com isso, pois esta é a essência da dança oriental. Eu como bailarina de dança
oriental tenho que me preocupar em traduzir em meu corpo a música de forma prazerosa
e de forma que o público possa entender. A impressão de ser simples se deve pelo fato de ser completamente entendível!! Você entendeu a minha dança completamente, ótimo,
esta era minha intenção, é sinal que eu consegui te passar uma mensagem
claramente, e com muita técnica sim, pois senão a geometria e harmonia dos meus
movimentos não seriam perceptíveis.
A partir do momento que o público não consegue acompanhar o que eu faço e
que eu tenho que pensar para fazer, deixou de ser dança oriental, pois quando
isso acontece há uma desconexão do público e da bailarina com a música, e dança
e música na cultura oriental é uma coisa única, somos um uníssono, todos os
instrumentos produzem um único som, não há harmônicos na música árabe, um dos
pilares da música árabe é sua forma melódica e o meu corpo deve ser esta
melodia de forma plena.
Eu como bailarina devo ser a música, sou um instrumento a mais na
orquestra, a música me rege, se não há mudança de frase musical, não há mudança
de passos e movimentos, se não há floreios na melodia, não haverá floreios em
meu corpo. Eu devo seguir a música em tudo, em suas intenções, dinâmicas,
energia, e isto não quer dizer seguir cada “plin” do qanoum, isto quer dizer
estar entregue totalmente deixando o som reverberar no corpo.
A música árabe é cíclica, sendo assim a dança também deve ser, ou seja,
não há nada de errado em repetir o mesmo movimento se a música o solicita. Esta
circularidade é o que proporciona o êxtase, o prazer, a viagem do público em seu
corpo, se mudarmos de movimento a cada segundo, não se estabelece a conexão.
Foto: Flávia Pastorelli/ Bailarina: Cristina Antoniadis |
A essência da dança oriental está no prazer sentido pela bailarina e
compartilhado com o público, e para haver prazer é preciso que o corpo esteja
relaxado e desconectado com o pensamento de querer impressionar!
Quanto mais dançamos a mesma música, mais íntima dela nos tornamos, e
mais podemos explorar de forma natural suas minúcias.
Portanto, se você quer dançar com estilo realmente árabe, pense em tudo
isso!! Abaixo, alguns vídeos para ilustrar e frases para refletir.
“A Simplicidade é o último grau da sofisticação” – Leonardo da Vinci
“Que ninguém se engane, só se consegue a simplicidade através de muito
trabalho” – Clarice Lispector
“O assunto mais importante do mundo pode ser simplificado até o ponto em
que todos possam apreciá-lo e compreendê-lo. Isso é, ou deveria ser, a mais
elevada forma de arte.” – Charles Chaplin
“A Simplicidade é o último degrau da sabedoria.” – Khalil Gibran
Fifi Abdo
Belo texto, Cristina! Observo que há, realmente, uma resistência à dança simples como se ela fosse menor e repetitiva. Na cultura da impaciência em que vivemos, a preocupação está na novidade e no entretenimentos puros. É a fast food dance!!!!
ResponderExcluirMas, esta tal simplicidade só se consegue com dedicação e audição, pois é a música que guia a tecitura da dança!
Abraço, Rosana
Grata Rosana pelo comentário e por complementar este artigo, bjssss
ExcluirCaríssima, adorei seu texto, abraço fraterno
ResponderExcluirGrata Ana Paula, mil bjssssss
ExcluirCrissssss, lindo!!!! Vou repassar para todas as minhas alunas e gostaria de pedir licença para colocar no sala de estudos do Hossam e da Serena, porque a filosofia deles é essa, exatamente igual a sua, a minha, a nossa!!! Fico feliz de ter uma amiga que "banca" seus princípios e procura esclarecer o que pensa e mais, o que sabe!! Um grande beijo Carol
ResponderExcluirClaro que pode!!!! inclusive coloquei o vídeo da Serena por conta disso, pois a dança dela segue bem essa filosofia!!! bjssssss
ExcluirGostei muito, Cris!!!! Adorei o texto e principalmente a analogia do arroz com feijão!!! Não só pq explica muito bem o seu ponto de vista, mas também pq o arroz com feijão é uma das delícias mais simples do povo brasileiro. Ótima analogia! bjs!
ResponderExcluirgrata Nilza, tb adoro arroz e feijão!!
ExcluirLindo texto Cris, perfeito! Divulgarei para minhas alunas. É a nossa filosofia! Estudamos muito Hossam, e é exatamente o que ele prega. Beijos no coração!
ResponderExcluirgrata Tatiane, bjsss e sucesso, unidos podemos fazer a diferença!
ExcluirCris, adorei e concordo em número e grau.
ResponderExcluirVc sempre deixando uma mensagem clara e direta, muito bom, adoro isso em vc. E tbm sua dança, e a da Serena e a da Fifi, sou fã desde sempre.
bjssss
Cris, adorei o texto, e concordo em número e grau.
ResponderExcluirConseguiu ser clara, simples e direta, adoro isso em vc.
E admiro sua dança e a da Serena, e a da Fifi então, sou fã desde sempre.
Fiz o curso da Serena e do Hossam, a primeira vez que vieram juntos ministrar em Americana, e realmente é o que eles divulgam também.
bjssss
grata Sandra, bjssss carinhosos!!
ExcluirConsiderando-se que houve quem ousasse afirmar que a dança de Fifi Abdou era pobre e vulgar , e ainda hoje Dina é incompreendida por tantos, não ha mais muito para acrescentar...
ResponderExcluirquem diz uma barbaridade dessas não entende o que é a dança oriental e não merece nossa atenção. Bjsss querida
ExcluirMuito bom seu texto, Cris!
ResponderExcluirParabéns por ser esta pessoa que não se cala e não se cansa de esclarecer a cultura em sua forma pura e plena.
Para quem quiser criticá-la, também irão contra outros nomes de grande representatividade na dança e na música oriental, que estão citados acima. Por aí já se vê que você sabe o que está falando.
Sucesso sempre!
Um grande beijo
Obrigada sempre por todo o apoio linda!! Não ligo para as críticas, desde que elas tenham fundamento, estas me fazem crescer, entretanto aquele que critica o que não conhece, ou acha que conhece, não passa de um tolo.
ExcluirTudo muito lindo. Amei.
ResponderExcluirMaravilhoso, Sensacional, Amei tudo. Parabéns ,Bjs
ResponderExcluirobrigada, bjsss
ExcluirEste comentário foi removido pelo autor.
ResponderExcluirfalou tudo Cris, dança oriental no Brasil e Ocidente está se tornando uma dança superficial mecânica com elementos cênicos oriundo belly E.U.A alguns até desconhecido em alguns países árabe,e pode-se notar tbm nos festivais de dança do ventre até uma diminuição do público árabe para prestigiar, com certeza eles querem ver sua tradições e a essência da sua dança na bailarina, não deve nunca perde a essência graças que poucas no ocidente ainda preserva a cultura no verdadeiro sentido que a dança oriental representa para este povo que eu amo muito,,, Adorei este seu artigo Mabrouk,,, bjsss
ResponderExcluirobrigada querida, seja sempre bem vinda, bjssss
ExcluirOi Cris! Parabéns pelo texto... é por aí, minha amiga... infelizmente, há muita controvérsia e "pregação" de um "certo", que não deixa de ser arte, mas não é Dança Árabe...
ResponderExcluirJá escrevi bastante sobre, participei de debates, refleti, propus, agi no que estava ao meu alcance...
Mas, impérios continuam sobrevivendo da ilusão que vendem, pq há muitas que preferem "comprar" pela "casca", ao invés de se propor à pesquisar pra poder discernir.
Dois momentos fundamentais do texto:
1- Isto é fato e, infelizmente, o povo enfeita demais e se entrega de menos:
"Os passos e movimentos tradicionais da dança do ventre não são muitos, mas saber coloca-los na hora certa, com a dinâmica certa, com a ginga certa é o mais importante, completamente conectada e entregue a música, aí está a grande questão. Ao invés de se dedicar um tempão para aprender o “passo da moda”, dedique-se mais em pesquisar sobre a cultura e a música oriental, mas sempre de fontes fidedignas, prefira sempre os originais, mas lembre-se, nem todo brasileiro sabe fazer feijão."
2- Isto eu ouvi e presenciei qdo estive no Marrocos e Egito. Perguntei e eles me disseram isto... então ... é FATÍSSIMO!
"A música árabe é cíclica, sendo assim a dança também deve ser, ou seja, não há nada de errado em repetir o mesmo movimento se a música o solicita. Esta circularidade é o que proporciona o êxtase, o prazer, a viagem do público em seu corpo, se mudarmos de movimento a cada segundo, não se estabelece a conexão."
O que resta, agora, é cada uma de nós seguir por essas sendas em parceria com o público e de mãos dadas com esta linda dança que traz processos infinitos de cura e auto-conhecimento :-)
É um dos caminhos mais lindos quando se está em busca do resgate do feminino :-)
Satisfação ler este texto e cada vez mais me dedicar para fazer parte desse rol de dançarinas (bailarinas, como queiram) que primam pela rica simplicidade ;-)
Bjos infinitos, Luz sempre e até breve Cris
Mi Nurhan
Oi Cris! Parabéns pelo texto... é por aí, minha amiga... infelizmente, há muita controvérsia e "pregação" de um "certo", que não deixa de ser arte, mas não é Dança Árabe...
ResponderExcluirJá escrevi bastante sobre, participei de debates, refleti, propus, agi no que estava ao meu alcance...
Mas, impérios continuam sobrevivendo da ilusão que vendem, pq há muitas que preferem "comprar" pela "casca", ao invés de se propor à pesquisar pra poder discernir.
Dois momentos fundamentais do texto:
1- Isto é fato e, infelizmente, o povo enfeita demais e se entrega de menos:
"Os passos e movimentos tradicionais da dança do ventre não são muitos, mas saber coloca-los na hora certa, com a dinâmica certa, com a ginga certa é o mais importante, completamente conectada e entregue a música, aí está a grande questão. Ao invés de se dedicar um tempão para aprender o “passo da moda”, dedique-se mais em pesquisar sobre a cultura e a música oriental, mas sempre de fontes fidedignas, prefira sempre os originais, mas lembre-se, nem todo brasileiro sabe fazer feijão."
2- Isto eu ouvi e presenciei qdo estive no Marrocos e Egito. Perguntei e eles me disseram isto... então ... é FATÍSSIMO!:
"A música árabe é cíclica, sendo assim a dança também deve ser, ou seja, não há nada de errado em repetir o mesmo movimento se a música o solicita. Esta circularidade é o que proporciona o êxtase, o prazer, a viagem do público em seu corpo, se mudarmos de movimento a cada segundo, não se estabelece a conexão."
O que resta, agora, é cada uma de nós seguir por essas sendas em parceria com o público e de mãos dadas com esta linda dança que traz processos infinitos de cura e auto-conhecimento
É um dos caminhos mais lindos quando se está em busca do resgate do feminino
Satisfação ler este texto e cada vez mais me dedicar para fazer parte desse rol de dançarinas (bailarinas, como queiram) que primam pela rica simplicidade
Bjos infinitos, Luz sempre e até breve Cristina Antoniadis
Perfeito Cris! Adorei! Parabéns! Estou compartilhando agora com minhas alunas e agradeço pelo texto! Compartilho muitíssimo da sua opinião. Bjos linda!!! Admiro muito seu trabalho!
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