Vem aí, a nova novela da Globo: Salve
Jorge, cenário Brasil e Turquia, com todos os ingredientes que a autora Glória
Peres usa em suas receitas, e um deles, a dança.
O alvoroço no mundo da dança do ventre
já começa, as alunas já começam a questionar como é o estilo turco de dança do
ventre, quais são as diferenças e as características marcantes.
Cléo Pires e a "Dança com 7 Véus" |
Uma certa angústia já se inicia, sabemos
que tudo que se relaciona a nossa amada dança quando vai parar na grande mídia,
geralmente, é de forma distorcida, que temos um trabalho redobrado para
desmistificar e desfazer os estereótipos criados, mas vamos pensar pelo lado
bom da coisa, não é sempre que ganhamos uma divulgação gratuita, e que apesar
de muita gente começar a fazer aulas por farra do momento (como ocorreu na
época do “Clone”), muitas se apaixonam e acabam levando a sério, ficando e se
transformando em lindas bailarinas!
Entretanto precisamos estar preparadas
para esta avalanche, e pensando nisso resolvi compartilhar o que eu conheço e
posso sobre este assunto.
E antes que perguntem ou indaguem o por
que de eu ter algum conhecimento sobre o assunto, já me anteciparei: conheço o
assunto pois sou de origem grega e estudo as danças gregas desde os 7 anos de
idade!! E então virá a grande questão: O que as danças gregas tem haver com
isso??? daí
eu respondo: quase TUDOOOOOO.
Vamos entender isso!
Gengis Khan |
Após a tomada de Constantinopla em 1453
(atual Istambul), o Império Otomano (turcos otomanos) teve seu apogeu entre os
séculos XV e o XVIII, e sua área territorial de dominação política e militar abrangia
o sudeste europeu, Ásia Menor, países árabes, costa mediterrânea do norte da
África e costa do mar Cáspio.
Até a constituição do Estado Turco em
1922, a região da Anatólia era fortemente povoada por gregos (helênicos), os
quais ali estavam desde a antiguidade (1200 ac) e tinham suas culturas
fortemente estabelecidas. Por receios políticos e religiosos, após este período
iniciou nesta região uma forte perseguição aos gregos (que eram cristãos
ortodoxos), e iniciaram grandes genocídios e massacres. Estima-se que foram
expulsos a partir de então cerca de 2.000.000 (dois milhões) de gregos (minha
avó paterna foi um deles), e os que permaneceram na região foram obrigados a se
converter ao islamismo e mudaram seus nomes para não morrerem ou serem
perseguidos, entretanto permaneceram com suas tradições e costumes.
A Turquia sucedeu o Império Otomano, que
por sua vez sucedeu o apogeu cultural do Império Árabe, um período de grande
produção cultural chamado a idade do ouro, ocorrido entre os séculos VII e XII,
e também o Império Bizantino, cuja cultura era a intersecção entre as culturas
gregas da antiguidade clássica e as culturas orientais. Aspectos da cultura
musical e da dança destes povos foram absorvidos pelos turcos e esse grande
caldeirão que inclui em boa parte a cultura helênica e a árabe e também
aspectos das culturas persas e mongóis deram origem ao que denominamos hoje de
cultura turca.
Acampamento cigano na cidade de Esmirna/Turquia |
Outro aspecto que influencia bastante a
cultura turca atual é a forte concentração de ciganos (romani), provavelmente a
maior do mundo estimada em cerca de 5.000.000, e assim como no Oriente Médio,
são estes ciganos os grandes responsáveis pelas manifestações artísticas de
música e dança nas tavernas, festas, casamentos e feiras de rua agregando a
cultura local a suas tradições.
Após dito tudo isto, conseguimos
vislumbrar o que seria a dança do ventre turca. Sabemos que quando os turcos
ali chegaram esta dança já existia, ou seja, não é uma dança de origem turca,
mas sim uma dança que foi absorvida e sofreu influências múltiplas.
Estátua grega encontrada em Esmirna Dançarina velada |
No estilo praticado pelas bailarinas
turcas (que em sua maioria tem origem cigana pois há um grande preconceito em
volta da dança assim como em todo o Oriente Médio), podemos observar muitos
aspectos da dança do ventre libanesa e da dança do ventre grega, e alguma
influência das danças persas e dos rituais sufis. Algumas bailarinas mesclam
movimentos das danças ciganas e também de danças folclóricas, principalmente o
karsilamas, que tem origem na Trácia (em breve postarei um artigo específico
sobre esta dança).
Do estilo grego observamos que foi
herdado, além dos ritmos (chiftetelis, karsilamas e outros), movimentos
pélvicos, postura e eixo dos quadris a frente com um leve cambrê (que também
aparece no estilo libanês), redondos e oitos horizontais grandes, cambrês
exagerados, muito trabalho de chão e a forte presença dos snujs (zília) também
presente entre os ciganos.
Do estilo libanês, os grandes
deslocamentos e giros, a acentuação para cima dos movimentos (que também aparece
no estilo grego) e nos shows “bellydance”, os trajes mais modernos e ousados bem
como o uso de sapatos de salto.
Do cigano podemos observar a manipulação
das saias, os “puladinhos” (que também tem uma influência do karsilamas grego,
que por sua vez tem influência cigana), os giros do tipo “helicóptero”, as
acrobacias (queda turca, contorcionismos e equilibrismo) e muito de suas danças
populares.
Das danças persas podemos notar os
gestuais e influências nos trajes mais tradicionais (não para shows “bellydance”),
e também o giro oriental o qual pode ser observado nos rituais sufis.
E da herança da sua tradição militar e
guerreira, podemos observar uma grande eficiência técnica, precisão e
bailarinos atléticos (principalmente nos grupos folclóricos), o que acredito
ser uma das características mais marcantes da dança turca atual.
Enfim, percebam que estas influências e
características são circulares e uma cultura influencia a outra e assim
continua, e este intercâmbio é maravilhoso pois enriquece a nossa dança de
maneira infinita.
Algo muito importante a salientar é que
a dança do ventre para os turcos não é algo enraizado em suas tradições diárias
assim como vemos a “raksa” nos países árabes, o “shaabi” e o “baladi” no Egito
e o “tsiftetelis” na Grécia, ela é utilizada mais como show, algo para ser
mostrado, atração de turistas do que como entretenimento local. Para elucidar
melhor o que estou dizendo, transcrevo aqui uma das impressões que a bailarina
Brysa Mahaila relata em seu blog ao retornar de sua viagem à Turquia:
“Os turcos vêem a dança do ventre apenas
como um espetáculo de variedade. As bailarinas não se preocupam com a arte e a
qualidade da dança, infelizmente lá a dança é vista como um show para divertir
o público e não como uma arte de exaltação a sensibilidade e ao feminino.”
Relata Brysa sobre os espetáculos de dança do ventre na Turquia.
Enfim, de qualquer forma existem
bailarinas turcas maravilhosas, que são grande fonte de estudo e que podemos
nos inspirar para conhecer um pouco mais deste estilo, segue um vídeo da minha
preferida, Nesrin Topkapi:
Outros aspectos culturais e
curiosidades:
1)
Não confundam um
árabe com um turco. Isso acontece muito no Brasil por conta das primeiras
imigrações de povos árabes que chegavam com passaportes turcos devido ao período
da dominação otomana. O turco fala o idioma turco, tem origem étnica diferente
e possui tradições próprias.
2) A palavra Istambul deriva do termo grego “I Poli”, ou
seja “a cidade”. Assim era denominada coloquialmente pois era lá o centro comercial,
artístico e cultural da região, ou seja, onde as coisas aconteciam e havia um
intercâmbio cultural forte. Outra cidade muito importante para o
desenvolvimento das artes é Esmirna, também um pólo cultural.
3) Assim como a dança, a música turca também é um grande
caldeirão de misturas culturais, mas os instrumentos utilizados são os mesmos
da música árabe clássica (e grega também), o alaúde, o qanoun, a nay, o derbak
e a presença do saz (uma espécie de bouzouki). A nomenclatura dos ritmos também
é a mesma e a qualidade melódica da música oriental permanece (ou seja, uma
música modal, e não tonal).
4) O olho turco (amuleto), é um grande exemplo do intercâmbio
cultural e absorção das culturas locais pelos turcos. Sua origem é egípcia (o
olho de hórus) e foi adotado pelos gregos que começaram a utilizar um olho azul
como amuleto para espantar “mau olhado”, nos países árabes também é costume
utilizar uma pedra azul para este fim, e hoje faz parte da cultura turca.
Se você quiser saber mais sobre o
“Tsiftetelis” (estilo grego de dança do ventre) e também entender um pouco
melhor essa conversa cultural entre gregos e turcos, sugiro a leitura deste
artigo: clique aqui
Enfim, espero ter contribuído para que a
nossa classe de bailarinas e apaixonados pela dança oriental esteja mais
preparada para a próxima avalanche.
Na época da novela “O Clone”, quem
estava neste meio sabe bem do que eu estou falando quanto às distorções, mas
também sabe que vinha muita aluna querendo fazer aula e perguntando:
“Eu vou
dançar que nem a Jade (Giovana Antonelli)?, daí eu vou citar o que uma colega de profissão, a
Juliana Leme, disse e que eu particularmente amei: “Não querida, vc não vai
dançar que nem a Jade, vc vai dançar melhor!”
Informações sobre aulas e shows, acesse aqui
ou ligue: 11 97225-2672
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Um grande abraço!!
Até a próxima