O que é ser artista?
Eis uma pergunta que vem me atormentando já há algum tempo! Principalmente no
campo da dança oriental! Afinal, será que toda bailarina de dança oriental é
artista? Ou será que algumas são artistas e outras são apenas executantes...
Atacada por uma
rinite sem fim, ontem resolvi me deitar mais cedo e fuçar nos milhões de canais
que temos disponíveis, e “para variar”, filmes repetidos de super heróis
americanos e filmes de terror juvenil inundavam a programação. Então, sentada
com a cabeça erguida por muitos travesseiros para poder respirar atiço meu
controle remoto para o fim dos meus canais a cabo, para um canal chamado CURTA,
ao qual sempre recorro e indico a programação. E apesar de não querer assistir
nada muito denso pois o meu nariz e mal estar tiravam completamente minha
concentração (por isso recorri primeiro aos canais de filmes, em vão), me deparei
com um maravilhoso documentário sobre Manoel de Barros (coloquei o documentário na íntegra no final do post, vale muito a pena assistir)
Manoel de Barros,
falei alto e indaguei a mim mesma, este nome não me é estranho....
E me lembrei de que
este nome pertencia ao hall de leituras obrigatórias na minha época do colegial,
o tal do ensino médio atual.
Manoel de Barros é um
poeta brasileiríssimo, de uma originalidade ímpar e que retrata
maravilhosamente bem o que é o Brasil.
“...tudo o que eu
não invento, é falso...”
Encantada com sua
entrevista, com os relatos das pessoas sobre ele, e com trechos citados de suas
poesias, comecei a me questionar porque este grande artista não me marcou anteriormente,
lá atrás, na minha adolescência quando tive acesso às suas obras!
Será que eu é quem
não tinha maturidade ou bagagem suficiente para compreender a profundidade de
suas palavras ou será que o ensino não soube me mostrar isso de forma que um
adolescente achasse interessante? Para falar a verdade, nem lembro se li a obra
deste poeta, pois não li vários dos livros obrigatórios, simplesmente li
resumos de apostilas de cursinhos, “contrabandeadas” entre os colegas, com o
único objetivo de decorar o que iria cair no vestibular!!!
Pois é, quantidade
definitivamente não é qualidade, preferia ter lido uma só obra mas que esta
tivesse ficado para sempre impressa em mim e que eu pudesse lê-la repetidas
vezes. E assim, fiz a analogia, EURECA, ou melhor, em grego mesmo, ÊVRIKA, ou
em português, ACHEI!!! Ao ler a frase deste maravilhoso poeta, constatei também
que na arte precisamos improvisar e criar sempre, e para isto precisamos
repetir os mesmos processos, e como disse o poeta:
“repetir, repetir e
repetir... até sair diferente”
E assim concluí o
que eu já sabia, tem algo de muito errado com o sistema de ensino...
Uma das coisas que
mais me chamou atenção na entrevista foi a simplicidade deste poeta, certo
momento ele disse, não me lembro das palavras exatas, mas foi a forma que eu
guardei:
“A poesia não é para
ser entendida, é para ser incorporada, se eu quisesse que fosse entendida de
forma racional, seria prosa e não poesia”
Assim vejo também a
dança, e todas as artes. E daí me lembrei das aulas de literatura, os professores
fazendo a gente ler um monte de poesias e decifrá-las como enigmas,
interpretá-las e etc... o que será que o autor quis dizer com isso?... Quanta
besteira, não era melhor ler e absorver, de forma interna, deixar mexer e
pronto!!!!
E então cheguei a
mais uma conclusão. Não somos ensinados para “entender” a arte, ou melhor,
absorver a arte.
"A poesia está
guardada nas palavras — é tudo que eu sei.
Meu fado é o de não
saber quase tudo.
Sobre o nada eu
tenho profundidades.
Não tenho conexões
com a realidade.
Poderoso para mim
não é aquele que descobre ouro.
Para mim poderoso é
aquele que descobre as insignificâncias (do mundo e as nossas).
Por essa pequena
sentença me elogiaram de imbecil.
Fiquei emocionado.
Sou fraco para
elogios."
Esses seccionamentos
e encaixotamentos tão presentes no nosso mundo atual são tão ante arte que
parecem até que não somos humanos!
Hoje na dança vejo
muito este movimento de secção, de querer entender, explicar o que se dança,
tudo precisa ter um roteiro lógico. A técnica tem que ser perfeita, a estética
tem que ser perfeita, a representação tem que ser perfeita. Mas e seu eu sentir
diferente, será que está errado? Como é que alguém pode julgar o que eu sinto?
Manoel de Barros não
se importa de escrever “errado”, achei lindo quando ele falou sobre a fala das
crianças, que dizem coisas sem sentindo mas que entendemos completamente e que
querem dizer muito além.
...Pegar o vento...nadar
no rio e ficar todo molhado de peixe... borboleta é cor que voa...sou da
invencionática...
(que saco...o
corretor ortográfico grifou de vermelho a última palavra, e quer alterar para
invencionice, affff)
“Uso a palavra para
compor meus silêncios.
Não gosto das
palavras
fatigadas de
informar.
Dou mais respeito
às que vivem de
barriga no chão
tipo água pedra
sapo.
Entendo bem o
sotaque das águas.
Dou respeito às
coisas desimportantes
e aos seres
desimportantes.
Prezo insetos mais
que aviões.
Prezo a velocidade
das tartarugas mais
que a dos mísseis.
Tenho em mim esse
atraso de nascença.
Eu fui aparelhado
para gostar de
passarinhos.
Tenho abundância de
ser feliz por isso.
Meu quintal é maior
do que o mundo.
Sou um apanhador de
desperdícios:
Amo os restos
como as boas moscas.
Queria que a minha
voz tivesse um formato de canto.
Porque eu não sou da
informática:
eu sou da
invencionática.
Só uso a palavra
para compor meus silêncios.”
Manoel de Barros
relatou que sempre achou que via as coisas de forma diferente da maioria das
pessoas, que via tudo meio que invertido, e que não se acha muito normal. Acredito
que todo artista se sente assim, mas será que nós é que não somos normais? Afinal,
o que é ser normal? Na verdade, tenho a plena convicção que o artista de
verdade é sim uma alma inquieta, enxerga o mundo de forma diferente, sente as
coisas com mais intensidade, mas porque às vê da forma que elas realmente são!
“É mais fácil fazer
da tolice um regalo do que da sensatez.
Tudo que não invento
é falso.
Há muitas maneiras
sérias de não dizer nada, mas só a poesia é verdadeira.
Tem mais presença em
mim o que me falta.
Melhor jeito que
achei pra me conhecer foi fazendo o contrário.
Sou muito preparado
de conflitos.
Não pode haver
ausência de boca nas palavras: nenhuma fique desamparada do ser que a revelou.
O meu amanhecer vai
ser de noite.
Melhor que nomear é
aludir. Verso não precisa dar noção.
O que sustenta a
encantação de um verso (além do ritmo) é o ilogismo.
Meu avesso é mais
visível do que um poste.
Sábio é o que
adivinha.
Para ter mais
certezas tenho que me saber de imperfeições.
A inércia é meu ato
principal.
Não saio de dentro
de mim nem pra pescar.
Sabedoria pode ser
que seja estar uma árvore.
Estilo é um modelo
anormal de expressão: é estigma.
Peixe não tem honras
nem horizontes.
Sempre que desejo
contar alguma coisa, não faço nada; mas quando não desejo contar nada, faço
poesia.
Eu queria ser lido
pelas pedras.
As palavras me
escondem sem cuidado.
Aonde eu não estou
as palavras me acham.
Há histórias tão
verdadeiras que às vezes parece que são inventadas.
Uma palavra abriu o
roupão pra mim. Ela deseja que eu a seja.
A terapia literária
consiste em desarrumar a linguagem a ponto que ela expresse nossos mais fundos
desejos.
Quero a palavra que
sirva na boca dos passarinhos.
Esta tarefa de
cessar é que puxa minhas frases para antes de mim.
Ateu é uma pessoa
capaz de provar cientificamente que não é nada. Só se compara aos santos. Os
santos querem ser os vermes de Deus.
Melhor para chegar a
nada é descobrir a verdade.
O artista é erro da
natureza. Beethoven foi um erro perfeito.
Por pudor sou
impuro.
O branco me
corrompe.
Não gosto de palavra
acostumada.
A minha diferença é
sempre menos.
Palavra poética tem
que chegar ao grau de brinquedo para ser séria.
Não preciso do fim
para chegar.
Do lugar onde estou
já fui embora.”
Observo no meio da
dança oriental bailarinas lindas e perfeitas, excelentes executantes de
movimentos com figurinos caros e impecáveis, enchem os olhos daqueles que às
prestigiam, mas será que isto é arte?
Será que só a
perfeição é bela? Se assim fosse um quadrado seria sempre mais belo que um
triângulo escaleno (aquele que possui lados e ângulos desiguais)
“... a
importância de uma coisa não se mede com fita métrica, balanças ou barômetros.
Que a importância de uma coisa seja medida pelo encantamento que a coisa
produza em nós.”
Mas afinal, o que é
ser artista?
Se você achou que eu
ia te responder com uma fórmula pronta o que é ser artista, é porque não
entendeu nada!!!
“... entender é para
parede, procure ser árvore.”
Documentário - Manoel de Barros - "Só dez por cento é mentira"