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14 de jul. de 2014

Ser Artista

O que é ser artista? Eis uma pergunta que vem me atormentando já há algum tempo! Principalmente no campo da dança oriental! Afinal, será que toda bailarina de dança oriental é artista? Ou será que algumas são artistas e outras são apenas executantes...

Atacada por uma rinite sem fim, ontem resolvi me deitar mais cedo e fuçar nos milhões de canais que temos disponíveis, e “para variar”, filmes repetidos de super heróis americanos e filmes de terror juvenil inundavam a programação. Então, sentada com a cabeça erguida por muitos travesseiros para poder respirar atiço meu controle remoto para o fim dos meus canais a cabo, para um canal chamado CURTA, ao qual sempre recorro e indico a programação. E apesar de não querer assistir nada muito denso pois o meu nariz e mal estar tiravam completamente minha concentração (por isso recorri primeiro aos canais de filmes, em vão), me deparei com um maravilhoso documentário sobre Manoel de Barros (coloquei o documentário na íntegra no final do post, vale muito a pena assistir)

Manoel de Barros, falei alto e indaguei a mim mesma, este nome não me é estranho....
E me lembrei de que este nome pertencia ao hall de leituras obrigatórias na minha época do colegial, o tal do ensino médio atual.

Manoel de Barros é um poeta brasileiríssimo, de uma originalidade ímpar e que retrata maravilhosamente bem o que é o Brasil.

“...tudo o que eu não invento, é falso...”

Encantada com sua entrevista, com os relatos das pessoas sobre ele, e com trechos citados de suas poesias, comecei a me questionar porque este grande artista não me marcou anteriormente, lá atrás, na minha adolescência quando tive acesso às suas obras!

Será que eu é quem não tinha maturidade ou bagagem suficiente para compreender a profundidade de suas palavras ou será que o ensino não soube me mostrar isso de forma que um adolescente achasse interessante? Para falar a verdade, nem lembro se li a obra deste poeta, pois não li vários dos livros obrigatórios, simplesmente li resumos de apostilas de cursinhos, “contrabandeadas” entre os colegas, com o único objetivo de decorar o que iria cair no vestibular!!!

Pois é, quantidade definitivamente não é qualidade, preferia ter lido uma só obra mas que esta tivesse ficado para sempre impressa em mim e que eu pudesse lê-la repetidas vezes. E assim, fiz a analogia, EURECA, ou melhor, em grego mesmo, ÊVRIKA, ou em português, ACHEI!!! Ao ler a frase deste maravilhoso poeta, constatei também que na arte precisamos improvisar e criar sempre, e para isto precisamos repetir os mesmos processos, e como disse o poeta:

“repetir, repetir e repetir... até sair diferente”

E assim concluí o que eu já sabia, tem algo de muito errado com o sistema de ensino...

Uma das coisas que mais me chamou atenção na entrevista foi a simplicidade deste poeta, certo momento ele disse, não me lembro das palavras exatas, mas foi a forma que eu guardei:
“A poesia não é para ser entendida, é para ser incorporada, se eu quisesse que fosse entendida de forma racional, seria prosa e não poesia”

Assim vejo também a dança, e todas as artes. E daí me lembrei das aulas de literatura, os professores fazendo a gente ler um monte de poesias e decifrá-las como enigmas, interpretá-las e etc... o que será que o autor quis dizer com isso?... Quanta besteira, não era melhor ler e absorver, de forma interna, deixar mexer e pronto!!!!

E então cheguei a mais uma conclusão. Não somos ensinados para “entender” a arte, ou melhor, absorver a arte.

"A poesia está guardada nas palavras — é tudo que eu sei.
Meu fado é o de não saber quase tudo.
Sobre o nada eu tenho profundidades.
Não tenho conexões com a realidade.
Poderoso para mim não é aquele que descobre ouro.
Para mim poderoso é aquele que descobre as insignificâncias (do mundo e as nossas).
Por essa pequena sentença me elogiaram de imbecil.
Fiquei emocionado.
Sou fraco para elogios."

Esses seccionamentos e encaixotamentos tão presentes no nosso mundo atual são tão ante arte que parecem até que não somos humanos!

Hoje na dança vejo muito este movimento de secção, de querer entender, explicar o que se dança, tudo precisa ter um roteiro lógico. A técnica tem que ser perfeita, a estética tem que ser perfeita, a representação tem que ser perfeita. Mas e seu eu sentir diferente, será que está errado? Como é que alguém pode julgar o que eu sinto?

Manoel de Barros não se importa de escrever “errado”, achei lindo quando ele falou sobre a fala das crianças, que dizem coisas sem sentindo mas que entendemos completamente e que querem dizer muito além.
...Pegar o vento...nadar no rio e ficar todo molhado de peixe... borboleta é cor que voa...sou da invencionática...
(que saco...o corretor ortográfico grifou de vermelho a última palavra, e quer alterar para invencionice, affff)

“Uso a palavra para compor meus silêncios.
Não gosto das palavras
fatigadas de informar.
Dou mais respeito
às que vivem de barriga no chão
tipo água pedra sapo.
Entendo bem o sotaque das águas.
Dou respeito às coisas desimportantes
e aos seres desimportantes.
Prezo insetos mais que aviões.
Prezo a velocidade
das tartarugas mais que a dos mísseis.
Tenho em mim esse atraso de nascença.
Eu fui aparelhado
para gostar de passarinhos.
Tenho abundância de ser feliz por isso.
Meu quintal é maior do que o mundo.
Sou um apanhador de desperdícios:
Amo os restos
como as boas moscas.
Queria que a minha voz tivesse um formato de canto.
Porque eu não sou da informática:
eu sou da invencionática.
Só uso a palavra para compor meus silêncios.”

Manoel de Barros relatou que sempre achou que via as coisas de forma diferente da maioria das pessoas, que via tudo meio que invertido, e que não se acha muito normal. Acredito que todo artista se sente assim, mas será que nós é que não somos normais? Afinal, o que é ser normal? Na verdade, tenho a plena convicção que o artista de verdade é sim uma alma inquieta, enxerga o mundo de forma diferente, sente as coisas com mais intensidade, mas porque às vê da forma que elas realmente são!

“É mais fácil fazer da tolice um regalo do que da sensatez.
Tudo que não invento é falso.
Há muitas maneiras sérias de não dizer nada, mas só a poesia é verdadeira.
Tem mais presença em mim o que me falta.
Melhor jeito que achei pra me conhecer foi fazendo o contrário.
Sou muito preparado de conflitos.
Não pode haver ausência de boca nas palavras: nenhuma fique desamparada do ser que a revelou.
O meu amanhecer vai ser de noite.
Melhor que nomear é aludir. Verso não precisa dar noção.
O que sustenta a encantação de um verso (além do ritmo) é o ilogismo.
Meu avesso é mais visível do que um poste.
Sábio é o que adivinha.
Para ter mais certezas tenho que me saber de imperfeições.
A inércia é meu ato principal.
Não saio de dentro de mim nem pra pescar.
Sabedoria pode ser que seja estar uma árvore.
Estilo é um modelo anormal de expressão: é estigma.
Peixe não tem honras nem horizontes.
Sempre que desejo contar alguma coisa, não faço nada; mas quando não desejo contar nada, faço poesia.
Eu queria ser lido pelas pedras.
As palavras me escondem sem cuidado.
Aonde eu não estou as palavras me acham.
Há histórias tão verdadeiras que às vezes parece que são inventadas.
Uma palavra abriu o roupão pra mim. Ela deseja que eu a seja.
A terapia literária consiste em desarrumar a linguagem a ponto que ela expresse nossos mais fundos desejos.
Quero a palavra que sirva na boca dos passarinhos.
Esta tarefa de cessar é que puxa minhas frases para antes de mim.
Ateu é uma pessoa capaz de provar cientificamente que não é nada. Só se compara aos santos. Os santos querem ser os vermes de Deus.
Melhor para chegar a nada é descobrir a verdade.
O artista é erro da natureza. Beethoven foi um erro perfeito.
Por pudor sou impuro.
O branco me corrompe.
Não gosto de palavra acostumada.
A minha diferença é sempre menos.
Palavra poética tem que chegar ao grau de brinquedo para ser séria.
Não preciso do fim para chegar.
Do lugar onde estou já fui embora.”

Observo no meio da dança oriental bailarinas lindas e perfeitas, excelentes executantes de movimentos com figurinos caros e impecáveis, enchem os olhos daqueles que às prestigiam, mas será que isto é arte?
Será que só a perfeição é bela? Se assim fosse um quadrado seria sempre mais belo que um triângulo escaleno (aquele que possui lados e ângulos desiguais)

“... a importância de uma coisa não se mede com fita métrica, balanças ou barômetros. Que a importância de uma coisa seja medida pelo encantamento que a coisa produza em nós.”

Mas afinal, o que é ser artista?

Se você achou que eu ia te responder com uma fórmula pronta o que é ser artista, é porque não entendeu nada!!!

“... entender é para parede, procure ser árvore.”


Documentário - Manoel de Barros - "Só dez por cento é mentira"


3 comentários:

  1. Menina, que sincronicidade! "Danço" (ow pretensão) há menos de um ano e como troquei de professora 2 vezes, me sinto recomeçando. Mesmo quando não estive em aula assistia a muitos vídeos, comprei DVDs e tals. Vejo bailarinas falando sobre sua "carreira", seu "mercado" e usando o vocabulário mercadológico mesmo. Meu marido é desenhista e pintor. "Nasceu assim" com diz o rei no desenho animado Frozen para falar dos poderes da filha, Elsa, quando perguntam se "foi maldição ou nasceu assim?" Através dele conheci pessoalmente vários artistas ditos eruditos e esse assunto do ser comercial OU artista sempre nos bateu na testa, pois o que meu marido ganha como artista simplesmente não dá para sobreviver. Como não sabe ensinar, é uma topeira para o mundo prático (demorou 2 anos para aprender a pegar extrato em caixa rápido e só sabe fazer isso e retirar dinheiro) em diversos momentos na vida teve que decidir se continuava a desenhar ou ia dirigir taxi (gosta de dirigir e poderia desenhar enquanto estivesse parado - ou seja, sem ganhar $ affff).
    Quantos e quantos colegas seus, artistas, já chegaram para dizer que torne sua arte mais comercial. Ops, ele é surrealista. Como tornar um cavalo que sai duma lua dentro do mar...mais comercial? Pow, ou vc quer o quadro ou não. Ou teu coração bate pelo desenho ou não!
    E quantos, igualmente talentosos, não tornaram sua arte "palatável"? Sua arte mudou. Para mim, que acompanho, é nítido. Vai ao sabor do "mercado" e, apesar de serem plasticamente belas, falta algo. É claro que há casos de artistas que vendem bem e continuam fieis a si, mas aqui em Maceió são raros, a maioria tem emprego+arte (bico).
    E voltando à dança, como eu disse, na semana passada estava pensando sobre algumas bailarinas tão boas e tão comerciais. Não julgo que seja bom ou ruim, só não acho que seja arte. Arte NECESSITA de liberdade. Ela não floresce em espaços limitados e nada mais limitado e limitante do que o mercado - inclusive o mercado da arte.
    Adorei o texto e os poemas que vc escolheu.

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  2. Voltei :-)
    É que lembrei de Goya. Era expressionista e ganhava dinheiro da corte e do alto clero, mas não deixou seus ideais e à noite, correndo o risco de ser morto pela "Santa" (não dá para não colocar aspas) Inquisição, produzia panfletos mega-artísticos, utilizando outra técnica que a usava com tinta à óleo.
    Bom, a vida dele foi um tormento, mas só quis exemplificar que é possível ganhar $ com arte e ser independente...mas tudo tem seu preço. O dele foi altíssimo.
    Se estiverem pensando em Picasso, que foi o maior artista modernista do séc. XX e rico com sua arte, vale lembrar que depois de pintar Guernica sua vida nunca mais foi a mesma, nem ele pintou nada mais que se comparasse ao grande pintor antes dessa tela - sua única tela em que ele enfrenta o status quo, o flagelo da guerra.
    Eu quis dar exemplos positivos, mas não deu certo.
    Ai, gente, é assim: dá pra ser talentoso, ser artista, ser topeira e ainda assim ser artista e talentoso. Pronto. sqn :-)

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